Brasil muda posição no mercado de vinhos
Falsificações e roubos de marcas, especialmente por chineses, são problemas que atingem setorA
presença do Brasil no mercado vitivinícola internacional tem
viabilizado que o mundo volte os olhos para além das vinhas do Chile ou
da Argentina quando o assunto é Cone Sul. Se anteriormente os vinhos
brasileiros não obtinham a visibilidade desejada, agora já contribuem
para o reconhecimento global da vitivinicultura desta região.
Graças à expansão nacional do segmento, que tem atraído atenção de
empresas estrangeiras, o Rio Grande do Sul será palco da 27ª edição da
Conferência Anual da Associação Internacional do Direito do Vinho, que
ocorre pela primeira vez na América do Sul, na sexta-feira e sábado
desta semana. O evento acontecerá no Hotel & SPA do Vinho Caudalie,
no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, reunindo empresários,
advogados e especialistas de países como o Brasil, Argentina, Chile,
Uruguai, Austrália, Estados Unidos, França, Espanha, Suíça e China.
De acordo com o diretor da Associação Internacional do Direito do
Vinho (AIDV) Roner Guerra Fabris, o encontro deve discutir de modo
especial as barreiras geradas por impostos, os requisitos de rotulagem,
as leis de licenciamento e as restrições aduaneiras, de misturas,
enológicas e de vinificação. Mas também destacará questões atreladas à
sustentabilidade e às indicações geográficas, bem como da importância do
vinho orgânico.
Com assento na Organização Internacional do Vinho (OIV), com sede em
Paris, a AIDV deverá direcionar o foco do debate para o mercado do vinho
no Vale dos Vinhedos, única região vinícola do País reconhecida,
recentemente, com Denominação de Origem (DO).
Jornal do Comércio -
Qual será o tema mais relevante desta edição da Conferência da
Associação Internacional do Direito do Vinho?
Roner Guerra Fabris
- No mundo todo, o tema sustentabilidade está em foco, e na área
vitivinícola não é diferente. O terroir e o microclima são muito
influenciados pelo caráter ambiental. Há algum tempo, nós enfrentamos um
problema no Vale dos Vinhedos com a expansão demográfica, que foi para
cima das áreas vinícolas da região, descaracterizando a paisagem e
mudando um aspecto preponderante para a economia local. Este será o
principal tema de discussão no evento deste ano, em vista de que o mesmo
problema ocorrido em Bento Gonçalves aconteceu no passado em outros
países, que hoje possuem legislação forte em termos de proteção das
áreas vinícolas.
JC - Do seu ponto de vista, de que forma o Brasil tem sido prejudicado ou beneficiado na questão das barreiras comerciais?
Fabris
- O vinho é tido como “alimento”, e cada país tem normas para ser
cultivado e comercializado. Dentro da Europa, por exemplo, existe uma
norma rígida com relação à rotulagem e à preparação da bebida. No
Brasil, a importância da Denominação de Origem reconhecida é a
possibilidade de se vender um produto com maior valor agregado.
JC
- O reconhecimento da Denominação de Origem (DO) do Vale dos Vinhedos
pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) é recente. No
que mais esta conquista irá influenciar o mercado nacional, levando em
consideração que a indicação geográfica liga o nome da região à
qualidade e características do produto?
Fabris - A partir deste
critério, a DO impõe aos produtores uma regulamentação de produção de
modo que o vinho que sair do País irá levar o “gosto da nossa terra” de
forma padronizada. Este regulamento indica quais cepas de uvas podem ser
plantadas, qual o rendimento por hectare, qual rendimento por pé de
uva, quais as práticas enológicas e como deve ser o processo para
ressaltar o terroir onde são produzidas. Uma vez que a DO é o vinho com
características locais, muda muito a posição do Brasil no mercado
internacional. Mas, em nível nacional, será preciso educar a população
sobre a noção do que é este processo, de forma que seja possível
identificar a diferença para produtos que não possuem a DO e entender
que o produto do Vale dos Vinhedos carrega consigo a personalidade do
local onde é produzido, assim como já ocorre com as regiões francesas de
Bordeaux e Borgonha ou de Napa Valley, na Califórnia (EUA).
JC -
De que forma irá atuar a Associação Internacional do Direito do Vinho
Sul-Americana, prevista para ser lançada durante o evento?
Fabris
- O capítulo sul-americano da associação internacional deverá ser um
foro de debates jurídicos sobre o desenvolvimento da legislação da vinha
e do vinho dentro do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. As demandas
jurídicas e normativas deste bloco serão encaminhadas para discussão
dentro do foro de debates mundial OIV, onde temos uma cadeira. Assim,
será possível reunir vários players ligados à vitivinicultura dos quatro
países em um só núcleo, possibilitando a evolução das normas jurídicas
de forma que sejam melhor adequadas ao mercado internacional, regrando
práticas comerciais e de concorrência que envolvem o direito
internacional do vinho e da vinha.
JC - O crescimento do mercado vitivinícola chinês ameaça o Cone Sul?
Fabris
- Sim. Inclusive teremos um painel específico no evento que irá tratar
deste assunto. A ideia é estudar os problemas e soluções apresentados
pelo mercado chinês, onde é possível encontrar falsificações (como o
chateau fake), vendidas como se fossem produtos originais. Tendo em
vista o mercado potencial brasileiro, por exemplo, é urgente a
necessidade de preservá-lo, protegendo-o de falsificações ou roubo de
marcas.

JC - A questão dos impostos ao produto nacional, de certa forma, atravanca o crescimento do setor, mesmo internamente?
Fabris
- Eu diria que o mercado brasileiro de vinho hoje é composto apenas de
35% de produtos nacionais e 65% de importados. Deste percentual, a
grande maioria provém do Cone Sul - do Chile e da Argentina - onde o
processo é feito com o auxílio de máquinas, reduzindo os custos de mão
de obra, e os impostos são mais baratos. Uma caixa de vinhos chilenos
pode chegar aqui custando menos de U$ 1,00 por garrafa. Além disso,
enquanto os vinhos importados cresceram, os brasileiros não seguiram
este aumento. A tradição de os consumidores considerarem o que vem de
fora melhor do que é produzido internamente contribuiu muito para esta
diferença.
Fonte: Jornal do Comércio - RS