quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Grandes prazeres, pequenos orçamentos

Este texto traduz a nossa busca pelo bom e barato!

"...em se tratando de vinhos, não consigo beber os que quero, só os que posso!"

Fonte: Carta Capital


Por Murilo Rocha
Brincando por e-mail com amigos queridos ora em Paris, fui instado a comentar o vinho que um deles, todo orgulhoso, havia acabado de comprar. Sou notório cervejólogo e cachaçólogo, mas deitei falação sobre as virtudes deste ou daquele borgonha, sobre os bons anos para os bordaleses, os brancos do Vale do Loire e outras delícias com que o engenho humano e a Natureza nos brindam há milhares de anos.
O vinho
Em se tratando de vinhos, não consigo beber os que quero, mas só os que posso
Nesta altura da vida, falo com certo conhecimento de causa. Cabeça com algumas leituras e bolsos ocos, dá para beber algumas grandes cervejas e cachaças de boa qualidade, mas em se tratando de vinhos, não consigo beber os que quero, só os que posso. Isso exige sola de sapato e bom fígado, muito bom fígado. Imagino como ele, o fígado, sofre, quando o submeto aos experimentalismos do orçamento curto. Obrigo-o a encarar zurrapas baratas, em busca de algum achado especial, o que às vezes acontece e é devidamente comemorado. O resultado desta procura interminável a alternância de dores de cabeça terríveis com sensações agradáveis de saciedade alcançada pelo êxito do encontro.
Igualmente, em viagem, não me hospedo nos hotéis de sonho, cheios de porteiros fardados como Napoleões, abrindo portas e dando acesso a luxos inesquecíveis, mas nos possíveis, de elevadores que rangem, de aquecedores que não aquecem e concierges muitas vezes mal-humorados. Também não como nos restaurantes que o Gault e Millau enaltece, mas só nos que ostentam cardápios modestos, para orçamentos idem. E não se trata de lamentação, muito pelo contrário: descobrir e extrair prazer das simplicidades sem dúvida ajuda a torná-las mais prazerosas. Quem casa com mulher baixinha sabe que, segundo aquele lugar-comum de barbas brancas, “nos pequenos frascos podem estar os grandes perfumes”. Não é o meu caso: minha mulher é maior do que eu – espiritualmente, entendam – e um exemplo de que corpos maiores também acolhem amores maiores.
Como se percebe, esta é uma breve reflexão sobre criatividade para viver melhor. O dinheiro, independente de sua quantidade, ajuda a felicidade. Não tê-lo não nos torna necessariamente infelizes, mas uma das maiores mentiras que povoou minha existência foi aquela de que “dinheiro não traz felicidade”. Imagino que seu autor jamais teve acesso a empreiteiros, nunca assinou contratos com qualquer governo nem se envolveu em nenhum tipo de falcatruas. Que são, como se sabe, caminhos seguros para o dinheiro farto e para acesso quase sempre mais seguro a esse tipo de felicidade que o consumo proporciona.
Sem participar de experiências similares às descritas no parágrafo anterior e abstraindo-me de grifes absurdamente caras, restam leituras consistentes e criatividade para alcançar as boas coisas que o pouco dinheiro facilita. Na leitura, achará prazeres garantidos, desde que você fique nos clássicos dignos desta qualificação (aqueles que quase ninguém lê ou relê mais), que os sebos oferecem a preço de político ladrão. E fuja das auto-ajudas e das biografias feitas sob encomenda para falar bem do biografado. A criatividade exercitará sua capacidade de descobrir as sensações maravilhosas ocultas por trás da sensaboria intelectual que nos assola nesses dias de vulgaridade tsunâmica e de informática onipresente, com todos os seus subprodutos limitadores do hábito de pensar com a própria cabeça.
A propósito de nossa cada vez maior participação nesse mundo cibernético, pondo de lado seus incontáveis benefícios, me vem à cabeça uma (mais uma) frase genial de Millôr Fernandes, que cito na essência: xadrez é aquele jogo que torna seu cérebro extraordinariamente evoluído… para jogar xadrez. Todo dia descobrimos mais uma das engenhocas maravilhosas que fazem para nós quase tudo o que sempre fizemos sem necessidade delas. E nem por isso a vida da gente era pior.